Talvez Obstetrícia seja a especialidade mais feliz da Medicina. É a única em que o paciente ganha alguma coisa. Nas outras, sempre perde algo. Fui mais Obstetra do que Ginecologista durante grande parte de minha vida. Hoje, sou quase um menopausologista não só para minhas antigas parturientes, minha mulher, minha irmã, minhas secretárias, enfim todas as mulheres com as quais tenho contato.
Nesses anos, muitas histórias aconteceram em minha clínica, que merecem ser contadas. Umas muito engraçadas, outras sem explicações. Algumas surpreendentes, outras não naturais. Ao contá-las, tentei dar uma ideia do que foi o contato com um mundo de mulheres, nem sempre equilibradas, nem sempre muito normais e por isso mesmo muito interessantes.
Sou parteiro há quarenta e sete anos. Muito tempo para lembrar-me de tudo em todos os detalhes. Se alguém se reconhecer como personagem de um dos casos relatados e descobrir alguma falha no meu relato, aqui vão minhas desculpas antecipadas. Todas as histórias aconteceram. Nada foi inventado. Os personagens podem estar tranquilos, pois jamais revelarei seus nomes, não só por ser antiético, mas também porque não me lembro mais de quem fez o quê!
Todo médico estabelece com suas pacientes um relacionamento, que varia na forma e na intensidade. Dependendo das neuroses de cada um, o estilo muda. Assim, existem aqueles que são “sedutores”, arrumam-se impecavelmente e no consultório jogam charme em cima das clientes para serem “os amados”. Existem os que são “amigos”, que conseguem um relacionamento mais próximo, mas nunca reprovam as atitudes das clientes. São sempre continentes, amigos, mas, “o problema é seu”, resolva. Existem também os “cientistas”. Com eles não existe um contato mais íntimo. A doença é a doença, tratá-la é o único objetivo. Se a paciente apresenta algum problema afetivo, o máximo de apoio que consegue, é a indicação de um psicanalista.
No meu caso, o papel que minhas neuroses me permitem estabelecer, é o de “irmão”. Dou bronca, chamo a atenção, aconselho, brigo, mas estou sempre disposto a ouvir, partilhar, ser cúmplice. Se necessário, passo uma hora conversando sobre algo que nada tem a ver com ginecologia. Muitas tristezas e alegrias são compartilhadas comigo. Essa intimidade colocou-me várias vezes em histórias em que jamais pensei tomar parte.
A vida da mulher, de maneira geral, é riquíssima em sentimentos, plena de calor e agitação. Sua participação no universo afetivo humano é, sem dúvida, muito mais intensa e interessante do que a do homem, o que torna o relacionamento com elas muito mais agradável do que com eles. Nos seus diversos contatos, até por serem mais intensos, elas estão sujeitas a maiores confusões e atritos. Por exemplo, as relações com as sogras ou noras, que são normalmente questões muito sensíveis. Nem uma sogra é tão megera como uma nora acha, e nem um filho é tão formidável como uma sogra pensa.
Filhos adolescentes! Um grande problema. Desde maus motoristas, que vira e mexe estão se acidentando, até “drogaditos”, homossexuais, ou com doenças crônicas incuráveis. Namorados indesejáveis ou anticoncepção para os filhos, são também motivos de grandes papos em minha sala. Aconselhar uma terapia para eles, ou mesmo para ela, não é o que basta. É preciso sentir, é preciso entender e principalmente ouvir. Ser um ouvido amigo. Segurar sua mão, quando ela chora, partilhar.
Sei que não satisfaz a todas que me procuraram, sei que muitas vezes falhei, mas estejam certas, sempre procurei dar o melhor de mim no desempenho da minha tarefa.
Sou um homem feliz. Tenho milhares de amigas! São milhares também os bebês que comigo nasceram! Sei que não satisfiz a todas que me procuraram, sei que muitas vezes falhei, mas estejam certas de que sempre procurei dar o melhor de mim no desempenho de minha tarefa. Tenho certeza de que contribuí para que muitas crianças começassem a vida, conservando todas as suas potencialidades de desenvolvimento, e também ajudei muitas mulheres a carregarem o pesado fardo de serem esposas, donas de casa e mães. Para elas eu dedico esse livro!
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